Tuesday, October 25, 2005

A Noir nunca mais será a mesma!

Para Ludmila Bifano

Quem disse que o sentimento é kitsch?

Todas as cartas de amor são ridículas, já advertiu poeticamente Fernando Pessoa na voz do seu heterônimo Álvaro
de Campos. Não só as cartas de amor, ele acrescentou, mas também "os sentimentos esdrúxulos".

Na verdade, por pudor crítico, a gente tende a achar ridículos todos os sentimentos, ou todas as cartas e
confissões sentimentais, esquecendo-se de que, como disse Pessoa no mesmo poema, "só as criaturas que nunca
escreveram cartas de amor é que são ridículas".

Em matéria de emoções, o medo de ser ridículo nos faz mais ridículos. Impomos tantas restrições ao que vem do
coração que somos capazes de exibir idéias pobres com o maior desplante, mas temos vergonha de demonstrar até
os melhores sentimentos, ainda mais agora que os ventos pós-modernos propõem a razão cética e a lógica cínica
como visão de mundo, confundindo tudo com pieguice, fraqueza ou capitulação sentimental.

Isso fica claro em certas situações críticas, na solidão noturna de um corredor de hospital, diante de riscos
impensáveis, em face da doença de um filho. Nesses momentos, a alma cheia de cuidados e desassossegos se abre
para o despudor sentimental, para a onda de solidariedade com a qual amigos, ah, os amigos, banham a nossa
angústia.

Aí o que vale não é a linguagem convencional, incapaz de descrever a experiência, mas as formas emocionais de
comunicação. Não importam os significantes mas os significados, os gestos gratuitos, aparentemente sem
utilidade, uma palavra apenas, às vezes nem isso, um toque, um bilhete, um aperto de mão, um abraço mudo, um
olhar úmido, um símbolo - nada de novo, de original, mas quanto conforto!

Costuma-se exaltar a cabeça como fonte da razão e denunciar o coração como sede da insensatez, como músculo
incapaz de ter autocrítica e de ser original. Que seja assim. E daí? Nada pior do que uma idéia feita, mas nada
melhor do que um sentimento usado. A cabeça pode gostar de novidade, mas o coração adora repetir o já provado.
Se as idéias vivem da originalidade, os sentimentos gostam da redundância. Não é por acaso que o prazer procura
a repetição.

As teorias da comunicação ensinam que só há informação quando há originalidade, ou seja, quanto menor for a
redundância de uma mensagem, maior será a sua taxa de informação. Se você comunica a uma pessoa o que ela já
sabe, a quantidade de informação é zero.

Não há dúvida de que isso funciona para a informação semântica. Ninguém lê jornal de ontem, nem vai atrás do já
visto. Quando se muda de campo, porém, e se entra no terreno da mensagem sentimental, lírica ou emocional,
parece ocorrer o contrário: o amor, a amizade e o afeto são recorrentes, insistentes, precisam, pedem confirmação.

Talvez por isso a gente não se canse de revisitar a poesia, a mais lírica das expressões. A redundância não
diminui a beleza nem o teor poético de um poema. Nada mais prazeroso do que repetir versos de cor. Houve uma
época em que nós, adolescentes, declamávamos poemas como hoje se recitam letras de rap. Revidava-se Drummond
com Bandeira; a um Lorca se respondia com um Pessoa; cultivava-se João Cabral de Melo Neto e havia sempre um
Vinicius para acalentar uma cantada.

A poesia serve para disfarçar o pudor e serve também para exprirmir o indizível - aqueles estados de
intensidade emocional que exigem formas requintadas e duradouras de expressão. Em certas horas, o melhor
remédio são versos esparsos de esquecidos poemas. Eles vêm ao acaso, trazidos pela memória involuntária. "O sol
tão claro lá fora e em minhalma anoitecendo'', de Bandeira, ou "Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo",
também dele. "Há um amargo de boca na minha alma", de Pessoa. "Apagada e vil tristeza", de Camões, e assim por
diante, como se fosse uma antologia do coração.

Em A insustentável leveza do ser, o best-seller que todo mundo leu nos anos 80, Kundera escreveu várias páginas
sobre o perigo da manipulação de sentimentos pelo poder que em geral leva ao kitsch político, ou seja, à
contravenção, ao engodo na política. É preciso cuidado porque o fenômeno ronda todas as formas de expressão do
homem e está sempre à espreita das realizações artísticas.

Tudo bem, todo cuidado é pouco, não se faz arte com bons sentimentos - o kitsch é o mau gosto estético. Mas
quem disse que a vida é uma obra de arte? Quem disse que o sentimento é kitsch?

(crônica publicada no Jornal do Brasil, em 12/8/95)


Angela que escolheu Zuenir para levar sempre boas "Venturas" para Ludmila que é uma das pessoas mais queridas que já conheci, como tantas outras especiais.

Monday, October 17, 2005

bom demais

Segunda, 17 de outubro de 2005, 14h22
Preso processa Deus por quebra de contrato


Um preso romeno está processando Deus por falhar em salvá-lo do diabo. O prisioneiro, chamado Pavel M, segundo a imprensa local, acusa Deus de traição, abuso e tráfico de influência.
Segundo o site Ananova, o homem alega que o seu batismo é um contrato entre ele e Deus, que teria a obrigação de manter o Diabo longe, assim como os problemas.
A reclamação foi enviada para a Corte de Timisoara e encaminhada para o escritório do procurador. Entretanto, os procuradores já disseram que provavelmente o processo será arquivado e eles não tem como chamar Deus para depor.

Angela que está próxima do inferno... de Dante!